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Eu vi Cazuza de perto, e ele estava vivo

Foto/Universal Music/Divulgação.

O Tempo Não Para é o nome do único disco ao vivo de Cazuza. Foi gravado durante temporada no Canecão, Rio de Janeiro, e lançado no final de 1988.

O álbum é muito bom, mas traz um registro parcial do último show de Cazuza. Tem somente 10 faixas e não as 17 que compunham o setlist do show.

Em 2022, a Universal Music botou no mercado uma nova versão de O Tempo Não Para. O disco contém a íntegra do show e takes diferentes daqueles do original de 1988.

A versão estendida de O Tempo Não Para tem várias falas de Cazuza e músicas que ficaram na memória apenas de quem assistiu ao show, como Blues da Piedade, Preciso Dizer que Te Amo, Mal Nenhum e Brasil.

As fitas de 1988 foram remasterizadas em dolby atmos, proporcionando um notável ganho na qualidade do áudio. Nilo Romero, que tocava com Cazuza, assina a produção.

Cazuza era do rock’n’ roll como frontman do Barão Vermelho e em sua trajetória solo. Mas ele também estabeleceu e manteve um vínculo interessante com a chamada MPB.

Admirava a tradição da música popular brasileira e ainda os artistas que surgiram na era dos festivais. Recebeu influências deles, sobretudo quando o assunto era letra de música (ou poesia, se quisermos).

Se estivesse vivo, Cazuza teria 66 anos. Como estaria aquele garoto que ia mudar o mundo? É natural que a gente imagine velhos os artistas que a morte só permitiu que víssemos jovens.

“Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro/Transformam o país inteiro num puteiro/Pois assim se ganha mais dinheiro”. Versos assim permanecem atualíssimos.

Estive com Cazuza quando ele cantou em João Pessoa no verão de 1989. Fazia a turnê O Tempo Não Para. Estava muito magro, todos sabiam que tinha uma doença grave, mas ainda não assumira publicamente que era portador do HIV.

Fui ao Hotel Tambaú entrevistá-lo para o programa A Palavra É Sua, que era exibido nos domingos pela manhã na TV Cabo Branco.

Combinei com a produção do artista que a conversa seria sobre música. Naquele momento, a insistência de alguns jornalistas em abordá-lo sobre a doença dificultava sua relação com a imprensa.

Cazuza estava na piscina (ao lado do amigo Ezequiel Neves, seu parceiro e produtor) e gravou comigo numa mesa próxima. De sunga, camiseta sem manga e boné.

Parceiros, rock’n’ roll, bossa nova, o êxito das suas canções, as diferenças entre poesia e letra de música, rock e MPB – estes foram os temas da nossa conversa.

Ele falou da influência que recebera de Caetano Veloso, cujo interesse pelo “passado da música popular” (usou essa expressão) lhe servira de parâmetro.

A menção ao nome de Caetano me remeteu ao que Gilberto Gil me dissera numa conversa sobre o rock brasileiro da década de 1980: que se via, jovem, em Herbert Vianna, e que via o companheiro de Tropicalismo, igualmente jovem, em Cazuza.

Gil tentava me convencer de que o rock brasileiro dos 80 era melhor do que eu imaginava. Reproduzi o comentário de Gil, provocando uma alegria que Cazuza não disfarçou.

Mas fiquei triste diante do quadro que vi: um artista jovem e talentoso consumido por uma doença devastadora.

Poucos dias após a entrevista, de passagem por Nova York, Cazuza disse a um repórter da Folha de S. Paulo que era portador do HIV.

Sua agonia se estendeu até o dia sete de julho de 1990. Quando morreu, tinha 32 anos.